BIBLIOTECÁRIOS DA FICÇÃO I
Igor Mendes - 25 de outubro de 2023
A representação do profissional bibliotecário nos diversificados tipos de obras possuem tendência a extremos, de um lado temos o bibliotecário, o homem, o guardião do conhecimento, o detentor da sabedoria, e do outro lado a mulher, exigidora do silêncio absoluto, que ao presenciar qualquer micro flerte com a desordem se descontrola. Esses arquétipos da profissão raramente exprimem a verdade, claro que no contexto social existem tentativas de todas as formas de subestimar a atuação feminina e superestimar a atuação masculina e isso necessita sempre ser levado em consideração, porém, a representação do profissional é corriqueiramente limitado, não especificando sequer nenhum dos processos ou segmentos de atuação do bibliotecário. Pensando nisso resolvi produzir esse texto comentando sobre alguns(mas) profissionais bibliotecários(as) presentes em obras ficcionais, que de alguma forma proliferam mesmo que de maneira subconsciente o exercício profissional, assim como algumas bibliotecas existentes nos mais diversificados universos. Vale lembrar que esse é apenas o primeiro texto desta série, e seria impossível analisar todos os bibliotecários em todas as obras ficcionais já produzidas na história, pelo menos neste breve modelo de estudo. Outro ponto é que me atentarei a bibliotecários que foram importantes para mim enquanto público das obras.
Kaisa é a primeira bibliotecária sobre a qual gostaria de comentar, e sim, foi dela que surgiu a inspiração para o meu projeto de biblioteca digital, a biblioteca Kaisa. A personagem faz parte de uma série animada denominada Hilda de 2018, que por sua vez é inspirada em uma série de histórias em quadrinhos homônima, também conhecida como Hildafolk do quadrinista inglês Luke Pearson, porém a personagem foi criada de forma original para a animação, não estando presente nas histórias em quadrinhos.
O universo de Hilda retrata elementos da cultura escandinava e se encontra mergulhado em fantasia, sendo assim, não seria diferente com a bibliotecária, porém entre todas as representações da profissão que tive o prazer, ou não, de conhecer, essa de longe é uma das mais humanas. A observação do profissional durante os processos de busca e navegação pelas prateleiras, cria uma aproximação imperceptível com o usuário, o tato ao interagir. Um usuário que adentra a biblioteca e caminha em direção ao acervo, raramente se sentirá confortável em ser abordado com um “posso te ajudar?”. No contexto pós-moderno onde o indivíduo vive com base na necessidade de independência, esse tipo de interação mesmo que com boas intenções (o que nem sempre é o caso, pois muitos profissionais transparecem estar ameaçando aquela pobre alma em busca de alimento para o cérebro). A paciência e percepção talvez por serem tratados como virtudes e não conhecimento, muitas vezes acabam sendo excluídas da gama de competências do profissional, e impedem que o bibliotecário consiga distinguir um pedido de auxílio pelo olhar, do “não precisa vir aqui, estou bem sozinho”; identificar padrões comportamentais de leitura, mas não através do histórico de empréstimo do usuário e sim por conhecer o indivíduo, realmente se importar com a necessidade dele.
Wan Shi Tong, merece ser mencionado, mas não com a intenção inicial do texto (já me perdi neste ponto), pois trago a exemplificação de uma representação que jamais deveria ser utilizada como inspiração para a classe profissional. Presente em Avatar a Lenda de Aang de 2005, essa entidade espiritual, cuja forma é uma gigantesca coruja, conhecida como “aquele que sabe dez mil coisas”, possui como objetivo eterno a proteção de uma gigantesca biblioteca, localizada no meio do deserto, permitindo que novos conhecimentos fossem trazidos, mas não consultados. Claro que como uma criatura eterna, possui experiência teórica e prática de milênios sobre as formas em que os conhecimentos podem ser utilizados para fazer o mal. Porém, minha crítica não é sobre o que os usuários fazem com as informações apropriadas, muito menos com a disponibilização de materiais que possam ser nocivos para a sociedade, como um livro que ensine sobre a fabricação de explosivos, minha crítica a esse tipo de bibliotecário, é a preservação extrema do acervo, um livro que não pode ser tocado, nem lido, não possui motivo para existir, afinal faz sentido preservar algo que ninguém poderá ter acesso?. O egoísmo, a posse, o controle, tem sido associadas a classe com base na própria história da classe, algo que, a meu ver, jamais deve ser praticado em uma biblioteca.
Enfim, como a proposta da coluna Non Dormo Ancora se faz em publicar textos escritos em noites de insônia, e o amanhecer já começou a se impor, finalizo esse por aqui, já que se propusesse escrevê-los com calma em dias tranquilos de primavera, os mesmos jamais existiriam. A série contínua, mas não hoje.