AH, MEU CARO AMIGO TATU (ENTRELINHAS PONTILHADAS)
Igor Mendes - 5 nov. 2025
- [...] pois é, são dores constantes. Quadril, ombros, testículo esquerdo, esôfago e cabeça.
- Pode ser câncer… ou quem sabe sedentarismo. Nos dedicamos muitos anos à arte da vadiagem. Olhe para aquela gata magrelinha atravessando a rua, vadiando pelo mundo, foi o que fizemos durante toda a vida.
- Deveras magrelinha.
- Somos vagais… vagais natos, eu diria. Você também se considera um vagal, certo?
- É claro que sim. Se lembra de quando tivemos que levar uma ‘obra literária de suma relevância no contexto lusófono’ para a aula de português no quinto ano? Esperavam Machado de Assis ou quem sabe Saramago, mas levei um texto que vi pixado no banco do ônibus. Tinha tipo umas quatro linhas.
Poção do amor
Três pernas de minhoca
Uma orelha de galinha
Meio litro do leite leitoso de arara-azul
E um punhado de cabelo de careca.
Autoria: O Peculiar Padeiro Púrpuro do Pico Porcupino.
- Lembro como se fosse ontem. Acho que devíamos fazer um pacto e mudar toda nossa estrutura de vida. Podíamos começar a nos alimentar melhor… e quem sabe até fazer uns exercícios físicos.
- Ah, meu caro amigo Tatu
Gostaria de ser poeta
Para assim mergulhar no mais profundo oceano de palavras
E talvez assim conseguir capturar ao meio de milhares de criaturas subaquáticas
Aquelas que manifestem os meus mais distantes pensamentos
Ou quem sabe um arpoador de cometas
Flutuando em solitude pelo vazio
Rodeado apenas de poeira estelar, microscópica, fragmentos sentenciais existentes desde o início do universo
Invisíveis ao nu de minha visão
Porém, audíveis
Em harmonia com o som daquilo que bombeia o sangue pelo meu corpo
Mas sou um homem de vocabulário limitado
Alimentado pelos seios da famigerada periferia
Onde gritos, xingamentos, grunhidos e sinônimos de substantivos associados à genitália, para o efeito comunicativo, já bastam
Então peço que a consequente projeção não seja interpretada como um ato de violência - Nem fodendo.