ZINE - ATRAVESSANDO O OCEANO EM BARCOS DE PAPEL
Igor Mendes - 27 de setembro de 2023
O fanzine ou apenas zine para os mais íntimos, conhecido por muitos como livrinho ou livreto e até confundido com a antiga arte da panfletagem, se diferencia no universo das publicações pela composição de seu cerne, a independência.
O termo fanzine é uma aglutinação entre duas palavras pertencentes a língua inglesa, fan (fã) e magazine (revista). Porém, ademais a paixão pelo formato revista e sua estética visual, outro elemento carece menção para compreender sua existência, o fator primordial que rege toda humanidade, o contexto social.
Em um mundo e período onde as profissões relacionadas a criação e produção da informação eram direcionadas a um seleto grupo, e sua publicação era demarcada pela modulação cada vez mais próxima ao editorial¹, o espaço de divulgação de trabalhos pertencentes ao cidadão comum se assemelhava ao limbo.
Com base no método do it yourself (DIY), ou Faça-você-mesmo, o fanzine possui uma perspectiva amplamente utilizada em vários segmentos, porém sem os devidos reconhecimentos, a contracultura.
Cultura por si só, sempre me pareceu algo pretensioso demais, é essencialmente diferente, e polissêmica demais, os diversos conceitos que uma palavra pode ter se necessário por vezes, porém a polissemia me parece em determinados momentos apenas um mero tiro de oportunidade, escolho este conceito, pois é ele que me agrada, e é útil para mim nesse momento. Exatamente o que estou fazendo agora.
Para Williams (2001) cultura em geral possui três conceitos, que comportam as diversas dimensões simbólicas presentes no termo. Cultura como “Ideal onde é o estado ou processo de perfeição humana, definidos nos termos de certos valores absolutos ou universais”. Se refere ao ideal humano, e ao cultivo desses valores que regem a existência, esses valores absolutos e universais, a cultura como ideal, nos diz o que deveríamos ser e como agir, transbordando as fronteiras territoriais e sociais. Me parece extremamente irreal, visto que a busca da perfeição humana falha na tentativa de definir o que é ser humano, a existência de valores absolutos e universais nunca existiu, somos formados com base no social e isso sempre me foi claro. “Documentária”, na qual a cultura é o corpo do trabalho intelectual e imaginativo, “na qual pensamento e a experiência humana são registrados de várias maneiras”. Nesse sentido, cultura é a produção, objetos informacionais, informações registradas, o que se deixa para o próximo. E por fim, Social onde a cultura “é uma descrição de um modo específico de vida, que expressa certos significados e valores, não apenas na arte e no aprendizado, mas também nas instituições e no comportamento comum”. Basicamente cultivo social.
A contracultura se opõe a pelo menos dois dos três conceitos propostos por Williams. Três se levarmos em consideração que Ideal sempre se espelhará em Social. A questão é que a contracultura se opõe diretamente não apenas à palavra cultura, mas a esse cultivo. Se os grandes nomes editoriais não permitem, nem fomentam a publicação de obras produzidas por uma classe considerada pelos mesmos e pela sociedade como inaptos a produzir, o fanzine se opõe a isso. Se a leitura disponível para consumo se delimita em obras cultas, o fanzine se opõe a isso (acho hoje questionável até mesmo a existência da cultura da leitura, mesmo que apenas culta).
A existência de ferramentas de controle de informação, de quem as produzem, quais estão disponíveis, e quais classes podem ter acesso a tais níveis sempre se fez presente, o debate sobre o ambiente biblioteca estar relacionado a uma classe social dominante (variando de período para período) se fez pertinente e se faz ainda hoje por um simples motivo, o ambiente biblioteca esteve, sim, relacionado a essas classes favorecidas.
Normalmente xerocopiados ou mimeografados, a estética do choque presente no fanzine se faz necessária e com razão, não existe nada igual aquilo, a chamativa do nunca encontrarei isso novamente torna o fanzine uma publicação desejada, ademais ao fato da identificação para com os produtores e criadores que atuam de maneira independente. Somado a necessidade e o desejo de exteriorizar seus conhecimentos em uma publicação, o baixo custo, fácil produção e manuseamento tornam o zine um ótimo meio de divulgação, principalmente para os artistas iniciantes.
Outro ponto que torna o fanzine uma publicação única, é que a folha de papel parece limitada, porém ao compreender que aquele espaço vazio pode ser preenchido com qualquer coisa sem restrições; sem moral; sem pudor; sem julgamento; sem rendimento social, aquele espaço vazio beira o infinito. Como produtor e colecionador de fanzine, pode-se notar uma variedade raramente vista em termos editoriais: histórias em quadrinhos; literatura; poesia; história; política; técnicas para plantar um pé de amora; fotografia; colagem; ilustração etc. Aquele espaço vazio é o seu espaço.
NOTA
Editorial se refere a modalidade de textos, onde a intenção é transmitir a opinião, posicionamento, ideologias etc. da organização e não do autor.
BIBLIOGRAFIA
WILLIAMS, R. The long revolution. Peterborough, Canada (Canadá): Broadview Press, 2001.