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Non Dormo Ancora

- CHARLIE! ESTÃO SE APROXIMANDO, ÀS 17 HORAS. (REFLEXÕES SOBRE A EDITORAÇÃO INDEPENDENTE - VENDAS I)


Igor Mendes - 07 de setembro de 2023


De início, uma das principais características que assombram o universo da editoração independente é a independência. Vejo mais vantagens do que desvantagens nisso, como a ausência da maioria das interferências, que qualquer artista ou editor possa vivenciar atuando em um grande nome do mercado. Porém, a independência costuma trazer consigo a responsabilidade total de todos os trabalhos envolvendo a publicação, isso inclui a mais desonesta, frustrante e cansativa entre todas as tarefas, a venda. 


Durante meu período como editor na Peixe Poeta Editora Independente, o hábito de venda em feiras noturnas e bares, ao lado do meu amigo e parceiro de negócios, João, sempre nos foi comum, habitualidade essa que procedia desde a era zine, por necessidade financeira na maioria das vezes, algumas outras apenas atuação, quando se finge que trabalha, costumam te levar a sério, mais sério do que quem realmente trabalha. 


A questão é que sempre fui adepto em me dedicar para com melhorias de qualidades que pareciam estar intrínsecas em mim naturalmente, e de longe a minha favorita sempre foi a observação. Durante as noites de venda, sem certezas de linhas de ônibus ativas para retorno aos nossos habitats e sem dinheiro para satisfazer as necessidades de deglutir uma deliciosa bolinha de queijo, me recordava da célebre frase “fuma que a fome passa”. Com a fome mascarada e com cigarros suficientes no maço para aguentar duas horas de caminhada até minha residência, estava apto a me resguardar mentalmente ao me dedicar à arte da observação.


Durante a amável tarefa das vendas pude observar certas coisas, essa série de textos é dedicada a contar algumas. A primeira e mais clara de todas é que existem pessoas que amam comprar, mas odeiam que algo seja oferecido diretamente para elas. Esse estilo de venda, de mesa a mesa, boca a boca, tem caráter agressivo. Para artistas e editores, ou até mesmo outros comerciantes em geral, deixo o primeiro conselho jamais pedido, deixando claro que essa é a minha quase se não totalmente dispensável opinião, evitem ao máximo esse tipo de abordagem, seres humanos são animais (literalmente) e como todo animal, não gostam de serem encurralados e incomodados, principalmente quando são encontrados se alimentando, ou quando estão passando pelo processo social denominado encontro na tentativa de acasalar. 


A interferência direta de uma pessoa desconhecida à mesa ou a um grupo, mesmo que de maneira educada, sempre os colocará em posição defensiva. Se puder, se estabeleça em um local, uma mesa desmontável servirá bem, para feiras e outros eventos ao ar livre. É um processo um pouco mais demorado, esperar que venham até você.


A venda invasiva proporciona certas vantagens, a freneticidade é uma delas, você chega, passa uma, duas vezes pelo evento e vai embora. Além disso, o tempo e experiência, tornam mais fácil identificar compradores reais, a obra sempre se assemelha ao comprador e isso fica cada vez mais claro, identificar quem é ou não um potencial comprador, evita desperdício de energia e tempo, os chamamos de target, em sarcasmo, com quem realmente usa o termo. Porém, para os mais sedentários, assim como eu, se estabelecer em um canto me parece vantajoso.


Neste texto de estreia da série, trago um dos tipos de clientes mais fantásticos que existem, estar na presença deste seleto tipo, é como admirar uma criatura mágica, sempre fico perplexo, como se ao alcance dos meus olhos se encontrasse o ser mitológico Mapinguari. O possível cliente, que não tem o costume de ler, mas afirma que se tivesse o costume ler, compraria, com sua famigerada frase “não tenho costume de ler, se tivesse, eu comprava”. Este espécime é encontrado em abundância por praças, feiras, bares, parques aquáticos, encostados em carros prateados, na calçada durante a passagem do carreta furacão, encostados em carros vermelhos e até mesmo em bibliotecas (porém este apontamento merece estar em outro texto mais apropriado).


É claro que no maravilhoso mundo das desculpas esfarrapadas essa provavelmente sempre será uma utilizada, principalmente, pois todo mentiroso se considera o ápice da originalidade e provavelmente se sentirá orgulhoso ao imaginar que foi o primeiro e único a se safar com sua grande e maleável sagacidade. Porém, no não tão maravilhoso mundo real das vendas agressivas, essa sempre foi a forma mais genérica e clichê possível de recusar o apoio a artistas independentes.


Porém, o que trago aqui não é o mentiroso como objeto de debate, não, o mentiroso nunca será debate de nada, pois é apenas uma criatura de cérebro pequeno deslizando por aí através de sua própria gosma na esperança de uma mísera “vitória”, uma enganação.


O objeto aqui são pessoas que de fato não possuem o costume de ler. Algo presente, frequente e até mesmo grave eu diria. A falta de interpretação de texto, o analfabetismo funcional são sequelas profundas deixadas na sociedade brasileira, por ações propagadas por grupos que visam a dominação através do desconhecimento. A falta de compreensão real do significado das palavras, palavras que representam coisas simples do cotidiano, “ler” por exemplo, a compreensão do que significa “ler” é quase nula, mesmo que “ler” seja algo feito diariamente. É claro que o debate que trago não se faz na tentativa de tornar toda população global em linguistas especialistas em semântica, porém ao questionar alguém sobre o que significa ler, e a resposta vir a ser “ler é ler” retrata algo que necessita de atenção. Aqui não faço críticas a população geral e me situo como não participante desse montante, pelo contrário, desconheço o significado da maioria das palavras que utilizo, e jamais conseguiria explicar através da escrita ou da fala seus significados, porém a não percepção de que a leitura poderia elevar o conhecimento pessoal, e garantir melhoria de estado de espírito e vida é algo que me perturba. O descaso pela literatura, pela história, pela legislação que rege o local de moradia destas pessoas, surge para mim, principalmente no processo de não conseguir compreender o significado de algo, e isso resulta (mas não apenas) no “não gostar de ler”.


Outro ponto de destaque é que não venho debater o significado de leitor (talvez um dia), este não é o caso e nem me considero a pessoa mais adequada para isto, outros pesquisadores possuem mais competência para isso.


A utilização de palavras como sinônimos é outro problema agravado pela falta de leitura, o próprio significado de “sinônimo” é usualmente utilizado de maneira errônea, acabam sendo utilizados como palavras que são exatamente iguais em sentido. Por não entender o significado de um termo, acabam sendo associados a outro, que já possuem significados próprios e podem nem ser semelhantes, ou pior são até mesmo antônimos, porém a certeza ao pronunciar a palavra propaga a significação equivocada e impõe aquela nova significação. E claro que ao se questionar a utilização errônea do termo, o pronunciador de tais aberrações vem comumente a se aborrecer.


Um dos exemplos mais clássicos é o “público” presente em “poder público”. O erro de interpretação, de que público e povo são a mesma coisa, e que tudo atinente ao poder público pertence ao povo, quando, na verdade, pertence ao estado e é financiado pelo povo (injusto, eu sei, porém, real). Aqui ocorre o erro em dobro, pois além da interpretação equivocada, o ignorar de uma das palavras, modifica completamente o sentido do termo.


Por fim, gostaria de protestar mais um dos conselhos jamais pedidos a todos os escritores e editores independentes. Ao se depararem com esse tipo de possível consumidor, manifestem a possibilidade daquela ser a oportunidade de se começar o hábito de leitura. Pode parecer que não, mas o trabalho de criação e produção de obras textuais, principalmente os de cunho independente, possuem um papel extremamente importante na linha de frente de processos de desinformação e dominação social.

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