CRÔNICAS DE UM FUMANTE (PRÓLOGO)
Igor Mendes - 01 de maio de 2024
Resolvi escrever este texto após ouvir quase atentamente (não estava prestando muita atenção, devido à ausência total de interesse em qualquer um dos indivíduos envolvidos), um debate (se é que podemos chamar assim) sobre cigarros, cujos já citados desinteressantes e desinteressados envolvidos, nem sequer eram fumantes. Aqui não defendo a ideia de que para debater sobre determinado assunto, precisamos estar envolvidos diretamente ou explicitamente com o assunto, mas defendo que precisamos saber sobre o que estamos falando, isso é o mínimo.
Durante o ato criminal ou artístico (chame como quiser) de rabiscar a carteira da sala de aula, durante o talvez debate, dado ao desinteresse, desafeto, dislexia, e qualquer outra palavra que comece com a letra D, pude assimilar vindo de pessoas que buscam a atenção a todo custo, papinhos galerosos e sorrisinhos amarelados, referentes a pessoas que não fumavam cigarros cujos maços traziam grafados em sua embalagem a frase “você broxa”.
A princípio não me incomodou, pois nunca deixei de fumar um cigarro que possuía o gentílico “paumolense”. Porém, me recordei de noites acordado com sintomas de ataque cardíaco, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da minha cidade, e como fumar cigarros de maços com o aviso “você infarta” me fazem mergulhar no país das más memórias, e me recordar dessas noites.
Isso me fez acender um cigarro e alguns alertas, o primeiro deles é que os avisos nos maços de cigarro afetam sim o psicológico do fumante, afinal esse é o objetivo, mas não se preocuparam ou nem mesmo sequer pensaram que isso resultaria em grande parcela da população fumante com transtornos psicológicos. O que levou ao segundo alerta, pouco se discute sobre a sociedade fumante.
Os debates envolvendo o tabagismo vem se resumindo a blogs de saúde e frases alarmantes sobre seus perigos, mas pouco se discute sobre esse grande grupo social. Grande, pois, em 2019 o percentual de fumantes adultos no Brasil era de 12,8% (Pesquisa Nacional de Saúde, 2019), o que equivalia, na época, em torno de 20 milhões de pessoas.
Vale ressaltar que o objetivo desse debate não é incentivar o culto hábito de soprar fumaça em faces alheias, nem mesmo desmerecer todas as ações que vêm sendo realizadas por décadas, para minimizar o gasto público do Estado para com a saúde posterior aquisição de enfermidades por parte de seus cidadãos, mas sim compreender esse grupo. Pois se projetou pelos séculos e perpetuou-se pelas sociedades a falsa ideia de que ignorar um acontecimento, resulta em seu desaparecimento.
O primeiro ponto de destaque relativo aos fumantes é sua ética. Para os não fumantes pode parecer um absurdo, porém a solidariedade da sociedade da fumaça sempre estará acesa, sempre, sempre, haverá fogo. Caso necessite de um isqueiro, maçarico, bic de madeira (caixa de fósforo), pederneira, um cigarro já aceso, ou até mesmo pedras, para acender o seu cigarro, não se preocupe, todo e qualquer fumante irá te emprestar seu utensílio produtor de fogo. Essa característica universal comunitária presente nos fumantes não é notada em nenhuma outra subespécie primata.
Outro ponto interessante de se discutir são os preconceitos envolvendo o fumante, e não falo da marginalização do grupo, até porque o fumo está associado a classes mais baixas no que diz respeito a bens capitais (Centro de Estudos e Pesquisa sobre Álcool e outras Drogas, 2013). Provavelmente os mais assíduos na vivência assimiladora de fumaça, já devem ter percebido que fumantes não podem almejar serem saudáveis em hipótese alguma, o hábito de fumar está diretamente associado à ausência total de saúde. Esse indivíduo ao praticar meditação, sair para se exercitar, ou até mesmo comer uma maçã, será massacrado instantaneamente pela maioria opressora da sociedade não fumante.
Por fim, o intuito deste texto não é influenciar alguém a fumar, nem mesmo a não fumar, pois não sou pai de nenhum de vocês caros leitores desocupados, apenas busquei exprimir alguns pensamentos deste início de outono.
BIBLIOGRAFIA
CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS. Estudo mostra consequências do hábito de fumar entre os mais pobres. Centro de Estudos e Pesquisa sobre Álcool e outras Drogas da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2023. Disponível em: https://cepad.ufes.br/conteudo/estudo-mostra-consequências-do-hábito-de-fumar-entre-os-mais-pobres. Acesso em: 01 de maio de 2024.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional de saúde 2019: Percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020. Disponível em: https://www.pns.icict.fiocruz.br/wp-content/uploads/2021/02/liv101764.pdf. Acesso em: 01 de maio de 2024.