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Non Dormo Ancora

PAIXÕES BIBLIOTECONÔMICAS - USUÁRIO 937


Igor Mendes - 02 de fevereiro de 2024


Pedir a um usuário para deixar a biblioteca nunca é fácil, sempre fui um defensor da biblioteca 24/7 (24 horas por dia, 7 dias por semana), mesmo sabendo que a maioria das bibliotecas não possuem capacidade em manter esse modus operandi, principalmente aquelas afastadas de grandes centros metropolitanos. 


Entre outros pontos positivos, a não necessidade de pedir para um usuário se retirar me soa agradável. Nunca gostei de interromper a relação entre uma pessoa e um livro. 


Não que isso seja um problema para alguns, desde os mais gentis que ao fazê-lo se desculpam incessantemente e trazem em primeira mão todo o cronograma do mês como forma de compensação pela sua tirania, aos que simplesmente empregam o célebre questionamento “sem querer te expulsar, mas será que você pode ir embora agora?”. Esses, quando não obtêm sucesso, são capazes de utilizar o cabo de uma vassoura para cutucá-los e tirá-los dali (história real).


É claro que existem situações regadas com a famigerada malandragem, quando o usuário finge não saber que horas são, mesmo que esse esteja rodeado de relógios de parede e mexa no celular a cada 20 minutos. Outros até são capazes de questionar a existência do próprio tempo. 


Por sorte, sempre existiram pessoas atuando ao meu lado, mais dedicadas às práticas de ir embora o mais rápido possível do que eu. Porém, em poucas situações (dias de folga dessas pessoas), tive que fazer esse trabalho do qual não gosto (não que goste de fazer qualquer outro), e foi em uma dessas raras ocasiões que conheci o usuário 937. Ou melhor dizendo, a usuária 937.

Não pretendo debater aqui a empregabilidade do substantivo usuário por parte das bibliotecas, muitos tentaram, muitos mais qualificados do que eu, e, a meu ver, não obtiveram resultado algum. Porém, ressalto em crítica a possibilidade do cadastro feminino, permitindo a localização minuciosa entre o usuário e usuária. Me parece (com o meu ínfimo conhecimento de programação) algo não tão custoso de se realizar.


Já a havia visto por diversos dias consecutivos, alguns usuários costumam frequentar a biblioteca apenas uma vez, alguns em dias saltados e distintos (que pode possuir nexo ou não, não estou aqui para criticar a frequência de visitas nem as motivações das mesmas), alguns por um determinado período (período de estudo para vestibular, concursos e por qualquer outro motivo), outros estão mais presentes na instituição do que os próprios funcionários, imagino que devam se esconder na biblioteca no seu horário de fechamento e permanecem lá durante as madrugadas, normalmente já estão lá quando chego e estão lá quando saio. Ela é do último tipo de usuário.


937 estava dormindo sentada no sofá de canto presente na seção de literatura internacional com Verne ou Shakespeare (ou qualquer outro autor de reconhecimento global com escrita difícil que nunca li [só leio livros com gravuras {sim é uma regra}]) no colo. Gentilmente fiz uma pequena bola de papel com algum documento (provavelmente importante) cujo qual não me lembro (talvez nem tão importante), e joguei em sua testa sem muita força, apenas o suficiente para acordá-la (alguma coisa sobre ética profissional e procedimentos com outros seres humanos que não fossem eu mesmo, enfim). 


Ao abrir os olhos cerradamente, como se lutasse para mantê-los abertos, os olhei em sua mais intensa profundidade e disse: -mano, já são tipo umas 17e30, tu tem que sair fora beleza?. Ela sorriu, levantou e perguntou se ainda dava tempo de fazer o empréstimo do livro que estava lendo ao mergulhar no mundo dos sonhos, por meio de portais narcolépticos existentes nos sofás de canto presentes em seções de literatura internacional situadas em bibliotecas.


Após imprimir o recibo de empréstimo e entregar a ela, após atuar como o monstro destruidor de sonos e sonhos a acompanhei até a porta, pois cabe ao profissional bibliotecário ser uma pessoa educada, e não por ser fumante a mais de uma década e estar a mais de 15 minutos sem fumar.


E foi então que vi o pôr do sol que me fez passar a observar todos os outros que haveriam de vir, de modo diferente. 

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